Assistir a um filme brasileiro é sempre uma experiência diferente. Você tem que, digamos, deixar a sua mente crítica no "modo nacional", porque não adianta ir com a mentalidade de fã de Hollywood. Pra mim, pelo menos, a animação e ansiedade para ver o filme funcionar fazem parte dos sentimentos quando eu entro na sala. Nunca gostei de ser daqueles que dispensam um filme simplesmente por ser nacional, dando preferência a qualquer outro que venha lá de fora. Assisto e assisto com vontade, analisando o quão longe chegamos e com a esperança de que ainda vamos em frente.
Baseado no livro de José Eduardo Agualusa, O Vendedor de Passados conta a história de Vicente (Lázaro Ramos), um homem que presta às pessoas o serviço de criar passados falsos, inventando informações e manipulando imagens que as comprovem. Quando uma mulher misteriosa (Alinne Moraes) pede que ele crie para ela um passado do zero, e ainda que inclua o fato de que ela cometeu um assassinato, Vicente se intriga e quer descobrir mais sobre ela. Em meio a amigos e outros clientes em sua vida, o homem persegue a mulher que criou em busca de respostas.
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Bom, começando do começo, a ideia é ótima. O enredo é intrigante, e o trailer te prende e te faz querer saber mais. O fato de Clara (nome que Vicente criou para a personagem de Moraes) não querer revelar nada sobre o seu passado, sem estragar o filme, com certeza poderia ser usado de forma diferente – mas olha, pode ser a mente Hollywoodiana falando de novo. E a verdade é que a gente não precisa que tudo vire uma bola de neve sem fim, com milhões de personagens e subtramas envolvidos. É inovador (de um jeito muito bom, se você tiver a paciência para ver como) ter uma história que é, simplesmente, uma história. Começo, meio e fim, com seus altos e baixos, as surpresas, as risadas, os choros. A parte técnica faz parte do orgulho do cinema nacional: fotografia e som dão o tom da trama, complementando a linguagem à altura.
O problema talvez resida na mesma "área" que afeta quase toda peça dramatúrgica brasileira: a caracterização dos personagens. Não é difícil presumir que, em seu trabalho, Vicente eventualmente terá de lidar com pessoas perigosas e misteriosas (mesmo que um de seus clientes tenha tido um pedido tão bobo quanto ter sido casado no passado). Dado isso, o comportamento que ele tem é muitas vezes incômodo – Vicente se intromete na vida pessoal de Clara, faz perguntas extremamente íntimas, persegue a mulher e ainda questiona suas decisões. Ele declara, no início da história, que precisa saber o máximo possível sobre com quem vai trabalhar. Mas não seria mais lógico que ele tomasse interesse apenas pela parte que ele está sendo pago para fazer, para garantir que seu trabalho será satisfatório? Afinal, como já mencionei, quem vem para ele precisa alterar informações em seu passado, algo sério e que poucos teriam coragem de fazer.
Me dá um alívio perceber a clara distância que os roteiristas de cinema do nosso país tem dos de novela. Não me levem a mal, eu já lhes dei muitas chances – torci pela Carminha em Avenida Brasil, chorei com a morte do Olavo em Paraíso Tropical, e assisti fielmente ao Zé Alfredo escolher ficar com Maria Marta e não Eliane, em Império. Mas o que mais me faz gritar em frente à televisão, sempre que passo na frente dela por volta das nove, é algo que ainda assombra as histórias da telona também: a necessidade de uma reviravolta/drama/auge/emoção é tão grande, mas tão grande (e com razão, porque toda história precisa disso), que a coerência parece deixar de importar. Não dá pra contar nos dedos o tanto de vezes em que um personagem agiu completamente diferente de como ele deveria, quer seja pela nossa lógica de como aquele deveria se comportar, ou porque realmente já o vimos fazer algo totalmente contrário. No caso de Vicente, felizmente, isso não fez ninguém querer levantar e sair, mas por outro lado, não demora muito para que a nossa mente comece a pensar "Pera, mas isso não era necessário, tinham outros jeitos de lidar com esse problema."
No final das contas, o filme não deixa de ser uma bela evolução no nosso jeito de contar histórias. Eu, como fã ávida do cinema, me sinto como uma mãe vendo um filho melhorar em sua arte (mas, talvez não tanto quanto uma mãe, sem deixar de criticar), e ver passos sendo dados em frente é sempre uma ótima coisa. Talvez então, apesar de suas falhas, O Vendedor de Passados é o ideal para o fã de cinema, para o crítico dentro de você, e se você não quer usar de nenhum desses, pra quem quer ver uma história diferente se passar aqui na nossa casa.

O Vendedor de Passados, 2015, Brasil
Elenco: Lázaro Ramos, Alinne Moraes, Odilon Wagner, Mayana Veiga
Direção: Lula Buarque de Hollanda
Roteiro: Isabel Muniz
Duração: 82 minutos
Gênero: Drama
Classificação:

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